terça-feira, 27 de setembro de 2011

Perceber o corpo sem estados de alma: Entrevista


Estudantes: Ana Priscila e Expedito Vital

 A entrevista a seguir compõe uma das atividades exigidas na disciplina de Corporeidade e Psicomotricidade na Educação da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Tendo como base o texto “Pensar o Corpo”, de Maria Michela Marzano-Parisoli, elaboramos uma entrevista – seguida de análise – de inquietações decorrentes da leitura e debate acerca do tema. A entrevista foi feita com uma professora responsável por turmas de Educação Infantil (III e IV), seu nome é Jucelma. Por questões éticas, preferimos resguardar ao anonimato a instituição da qual a entrevistada faz parte. Podemos dizer, no entanto, que se trata de uma escola particular de classe média, situada em Fortaleza. A docente está se formando pela Universidade Vale do Acaraú (UVA) e atua nessa instituição há 3 anos, desenvolvendo atividades com crianças em período integral. É casada e não tem filhos. Além disso, sente-se bastante satisfeita com seu trabalho. Esperamos que as observações feitas, a seguir, possam contribuir e/ou elucidar de alguma maneira nas discussões sobre o assunto.

O corpo é, cada vez mais, foco e objeto dos mais diferentes tipos de discussão. Seja do ponto de vista biológico, cultural, social ou econômico, esta representação material do que somos tem ganhado mais e mais espaço no mundo científico-acadêmico. Para muitos autores que se dedicam exclusivamente ao estudo do tema, o corpo sempre foi visto como imagem passível de apreciação, de adoração e – por que não – de idealização de diversas culturas durante toda a História dos homens. 

Temos observado que o corpo, antes de tudo, é encarado como o nosso cartão de visitas em qualquer ambiente social que frequentamos. Ademais, é nele que expressamos as marcas históricas e culturais provenientes dos grupos ou guetos dos quais somos parte; são estes últimos os principais responsáveis pela modelagem de nosso corpo, hábitos, costumes, etc. 

Como pudemos observar na entrevista, vários são os exemplos do cotidiano em que somos influenciados e, muitas vezes, forçados a adaptar e mudar quem somos; tais aspectos estão, claramente, evidenciados no corpo. Quando crianças, há sempre alguém responsável por nos ensinar as normas de “bom comportamento”, seja conscientemente ou não. A entrevista nos mostra como os pais, mesmo sem uma formação específica, demonstram preocupação com as boas maneiras e o repasse destas aos seus filhos. Mesmo sem saber, embasados unicamente no senso comum, os mais velhos tornam-se responsáveis por reproduzir hábitos peculiares ao meio em que vivem. 

Paralelamente, o ambiente escolar, de um modo geral, acaba por continuar/consolidar ou menosprezar/estereotipar muitos destes costumes. Por estar diretamente interligada à sociedade como um todo, a escola reproduz e introjeta alguns discursos que são valorizados por determinados grupos sociais. Deste modo, assim como outros temas, o corpo se transforma em um assunto acabado, indiscutível; resta-nos, apenas, adaptarmo-nos da melhor forma possível ao ambiente com os recursos oferecidos, principalmente, pelo marketing especializado do mercado consumidor. 

Existem pessoas que lutam em sentido contrário a essa tempestade que arrasta cada dia mais adeptos. Acreditamos que o corpo é “um espaço expressivo, o que projeta para fora os significados das coisas, dando-lhes um lugar e, ao mesmo tempo, o que faz com que elas se ponham a existir como coisas sob nossas mãos e sob nossos olhos” (MARZANO-PARISOLI, 2004, p. 46). Desta forma, cada um ao seu modo, mas efetivamente, buscamos mudar o mundo que temos e torná-lo o mundo que queremos. É difícil ser minoria, mas preferimos fazer pouco na direção que entendemos como certa, que muito na direção oposta. 

Segue entrevista >>

01. Quem é você? Onde você nasceu? Onde se criou? Quais as pessoas mais importantes da sua família, na sua criação? Que recordações você tem de sua infância, suas relações, seus afetos? Como você via o mundo, que recordações você tem desses lugares e dessas pessoas? (casa, família, contextos). 

- Sou professora das turmas Infantil III e Infantil IV, nasci e fui criada em São Luis do Curú. As pessoas mais importantes na minha vida foram meus pais e, hoje, meu marido, com quem moro aqui em Fortaleza. Minha infância apesar de ter sido divertida para uma criança, foi, também, sofrida, pois minha família era muito pobre, e lá em casa éramos eu e mais quatro irmãos – uma família bem grande. Depois de ter estudado, aprendi que parte da pobreza era resultado da falta de educação que os meus pais não tiveram acesso; hoje, sei o quanto é importante a educação e, por isso, gosto tanto de ser professora.

 02. Qual o seu grau de escolaridade? 
- Estou cursando o oitavo semestre de pedagogia na UVA. 

03. Como eram as pessoas que lhe influenciaram: rígidas ou liberais? Há alguma situação marcante que demonstre isso? 
- Meus pais eram rígidos nos aspectos que achavam importantes e liberais nos aspectos que não achavam importantes, por exemplo: por não ter tido educação escolar, meus pais nos mandavam pra escola todos os dias, não pelo estudo, mas pelos benefícios que a escola nos proporcionava, alimentação e um lugar pra ficar enquanto meus pais trabalhavam. Eu estudava em uma escola pública de interior e nunca houve uma cobrança em estudar quando eu chegava em casa. Isso se dava devido aos meus pais não saberem da importância da escola e da educação, nesse aspecto eles eram bem liberais, já para nos deixarem sair de casa, brincar com outras crianças da cidade, eles eram bem rígidos! Só brincávamos com crianças conhecidas e mesmo assim sobre vigilância dos meus pais. Na época da adolescência, principalmente, meus pais foram muito rígidos. 

04. Para você, o que é o corpo? O que você faz para conhecer melhor o seu? 
- Para mim, o corpo é parte do seu ser, é onde você traz as marcas da sua vida, do que você já viveu, e seu instrumento de vivência, é ele que você vai usar, ele depende de você e você depende dele, na verdade você é ele. Olha, minha vida está tão corrida, trabalho manhã e tarde, e a noite estudo, que estou em dívida com os cuidados com meu corpo. 

 05. Você acredita que exista um padrão ideal para o corpo masculino e feminino? 
- Existe um padrão que para mim não é o ideal, que é aquele estabelecido pela sociedade. Mas, para mim, o corpo Ideal é aquele que é saudável. 

06. Qual o seu ideal de corpo? Por quê? 
- Pra mim, meu corpo ideal seria mais magro do que está hoje, mais parecido como quando eu era mais jovem, isso porque me ajudaria no trabalho, me cansaria menos e não posso negar que me sentiria também mais bonita. 

07. Você acredita que o corpo é critério de julgamento social? Você pode contar um exemplo da sua experiência de vida? 
- Sim, acredito sim! Isso é visível em entrevistas de emprego. Nessa escola mesmo você pode notar que as pessoas melhor sucedidas nos trabalhos são magras; os diretores, coordenadores e supervisores, a grande maioria, é magra. 

 08. Enquanto professora, como você percebe o corpo do outro (alunos) e tenta trabalhar a influência da mídia sobre eles? 
- Afinal, é bastante freqüente brinquedos infantis (como a Barbie, por exemplo), estimularem nas crianças um perfil apreciado atualmente na sociedade, mas, muitas vezes, extremamente prejudicial à saúde física e mental. Os pais dos alunos são os que mais tentam influenciá-los em questão ao corpo, principalmente, as meninas. As mães levam no cabeleireiro até crianças de 2, 3 anos. Todos os pais querem ter filhos no padrão que a sociedade define como bonito! Aqui na escola, nós temos duas crianças especiais, uma perfeita fisicamente, mas autista e outra que tem problema de locomoção; ela anda, porém com dificuldade, pois tem os pés enrolados, por ter nascido de 5 meses. No começo do ano letivo, notamos que a aluna autista, apesar do comportamento, foi mais aceita inicialmente pelas crianças do que a aluna com problemas de locomoção. Fomos explicando as crianças que todos eram bonitos e que era bonito ser diferente, pois se todos fossem iguais nós não vamos saber diferenciar quem é a mamãe, quem é o papai, quem é o coleguinha, e que brincar junto com um monte de coleguinha igual seria chato. Trabalhamos isso nas crianças e, hoje, as duas crianças especiais são bem aceitas pelas crianças. 

09. A escola exige dos funcionários algum perfil para o trabalho? 
- A escola oferece o fardamento, para que possamos trabalhar e somos orientadas a estarmos sempre com cabelo arrumado, sandálias novas, bem apresentadas. 

10. Você já presenciou na escola algum preconceito com relação ao corpo? 
- Já sim, mas não comigo! Uma das professoras da escola é negra, certa vez um aluno foi embora e esqueceu a lancheira na escola, a professora em questão guardou a lancheira para entregar ao aluno no dia seguinte. No outro dia, na agenda do aluno, a mãe escreveu: “Professora, o meu filho esqueceu a lancheira ontem na escola, e disse que a professora negrinha pegou. Por favor, encontre a lancheira e mande-a de volta!”. A escola entrou em contato com a mãe do aluno, que pediu desculpa a professora por ter usado esse termo com ela, e por ter dado a entender no recado que a professora teria ficado com a lancheira para si. Foi muito constrangedor para a professora que depois se sentiu com vergonha por tudo o que aconteceu, sendo que quem deveria ter vergonha era a mãe do aluno. 

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MARZANO-PARISOLI, Maria Michela. Perceber o Corpo Sem Estados de Alma: corpo divinizado e corpo aniquilado, pp. 23-46. In – Pensar o Corpo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.

3 comentários:

  1. O corpo negro ainda é muito discriminado pela sociedade. Esquecem eles, que dentro daquele corpo, há uma vida, um ser humano como outro qualquer que poderia ser branco, alvo, ou outra cor, que independente disso, merece o respeito e o seu lugar na sociedade, como todos nós temos o direito, e que não será um corpo negro, vestido de uma maneira fora dos padrões, tatuado,ou de qualquer sinal diacrítico de bastante diferencial, que o inferiorizará dos demais.

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  3. O corpo é nosso cartão de visita, somos julgados pelo que apresentamos em nosso corpo ( cabelo, cor da pele, estilo de roupa etc ). Se a barriga está um pouco saliente, por exemplo, somos taxados de sedentários.
    De fato, a todo instante estamos sujeitos a julgamentos sociais.Nas entrevistas de emprego, como foi citado pela professora Jucelma, fica bastante evidente esse julgamento.Os entrevistadores buscam um padrão nos candidatos ( dentro desse padrão está a apresentação desse corpo )

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