Alunas: Ana Vitória Acácio Ribeiro e Nayara Mota Almeida
Esse artigo tem como objetivo observar como um professor, que trabalha uma disciplina referente ao corpo, lida com suas próprias características corpóreas. O presente trabalho foi desenvolvido a partir de uma observação de uma aula vivencial da disciplina de Corporeidade e Psicomotricidade na Educação, que é aplicada no curso de Pedagogia na UECE e ministrada por uma professora formada em Pedagogia, com mestrado em Educação e Especialização na área de psicomotricidade. O artigo irá articular a referente observação com o texto de Clarice Nunes (2003).
De inicio, explicar para a professora e para a turma que o nosso intuito naquele dia era observar como a educadora ministrava uma disciplina sobre corpo e como a mesma lidava com o próprio corpo foi um anúncio um pouco desconfortável, mas sem dúvida, algo de extremo significado para nós. Naquela observação havia uma peculiaridade, o foco não estava nos alunos ou na disciplina, o foco era aquela profissional da educação e a sua percepção em relação a si mesma e a seu corpo.
A ocasião era de uma aula vivencial e os alunos estavam dispostos a participar. Estavam vestidos adequadamente com roupas leves e haviam levado os objetos necessários para utilizarem na vivência, como bolas e tapetes. A professora estava voltando de uma licença médica de quinze dias, pois havia quebrado o pé. Estava usando uma bota ortopédica, pois a fratura tinha sido grave. Foi um susto para nós ver aquela situação, pensamos de imediato que a aula iria ser cancelada e a professora iria propor outra atividade para aquele dia. Tamanha foi a nossa surpresa ao observar que ela iria realmente cumprir o programa e ministrar aquela primeira aula vivencial da disciplina no respectivo semestre.
A educadora iniciou a aula relatando o acidente que sofreu: uma queda da escada. Explicou aos alunos toda a dificuldade que passou durante e após o acidente. As dores, fisioterapias, vários dias sem poder colocar os pés no chão. Os dias que passou em casa cuidando do próprio pé serviram-na para se observar, para parar e olhar para si mesma. Quando questionamos se ela se considerava uma conhecedora do próprio corpo, a professora nos relatou:
Não. Eu vejo que a vivência do corpo requer uma dedicação. Eu creio que nem todo mundo sabe o que é capaz de fazer com o próprio corpo. O que eu conheço do meu corpo, o que é? É normalmente fazer alguma coisa que eu me sinta bem, que eu goste. Aí eu me manifesto de maneira positiva. Ou quando eu tenho alguma sequela física, quando adoeço. Quando acontece alguma coisa desse tipo (fala referindo-se ao pé) aí você passa a conhecer mais o próprio corpo.
Clarice Nunes (2003) coloca em seus relatos a possibilidade de se enxergar a doença como “um caminho possível do ser humano no seu próprio processo de cura”. Esta afirmativa nos leva a pensar que uma sequela física pode ser utilizada para o conhecimento de si mesmo, portanto, a nossa professora já está dando um importante passo na busca de um autoconhecimento.
Embora afirme não possuir um conhecimento pleno das próprias habilidades corporais, a especialista de Psicomotricidade demonstrou uma boa capacidade física na execução da aula vivencial. Mesmo com o pé fraturado e trajando um vestido leve (não pode vestir calça devido o uso da bota ortopédica), ela orientou a turma a fazer um aquecimento demonstrando com o próprio corpo como deveriam proceder. Claro que não colocava tanta intensidade nos movimentos, mas agia com tranquilidade, respeitando os próprios limites. A todo o momento fazia brincadeiras de forma a descontrair os alunos e deixá-los à vontade, dizia: “Coloquem a mão na cintura, quem tiver cintura...”.
A aula transcorreu tranquilamente sob o olhar atento da professora que orientava os alunos em novas atividades corporais, como um momento de massagem, momento este em que os alunos ficaram em duplas massageando um o corpo do outro com uma bola. Havia situações em que ficavam sozinhos, em duplas ou em grupos. Em alguns momentos a professora arrastava a sua “botinha” pelo auditório e observava os movimentos dos alunos ao som de músicas suaves.
Ao fim da vivência corporal, os alunos foram convidados a sentar e a iniciarem uma verbalização. A professora explicou que aquele seria o momento deles relatarem o que tinham sentido. Alguns se manifestaram e fizeram colocações importantes. Uma aluna nos chamou a atenção ao descrever a sua experiência em um determinado momento da vivência: “Cheguei a sentir cosquinhas no cérebro”. Podemos infeir, que a aluna disse isto devido à tranquilidade que sentiu no seu corpo e em sua mente na ocasião da massagem com a bola.
É interessante constatar que um profissional que trabalha com pessoas, principalmente o professor (trazendo para a nossa realidade), necessita estar ciente da necessidade de observar o próprio corpo e o corpo do outro como uma matéria que envolve amplas dimensões, tanto físicas como psíquicas. É fundamental a obtenção dessa consciência. Consciência de que quando tratamos do corpo, não estamos apenas tratando de algo superficial, mas de algo que representa cada pessoa na sua individualidade.
Nunes (2003) nos fala que como educadores, somos convidados a criar um novo tipo de sensibilidade e atitude pedagógica. Precisamos primeiramente nos conhecer para, partindo deste autoconhecimento, conduzir os nossos alunos a uma experiência de valorização deles mesmos. Precisamos ensiná-los a explorar as próprias possibilidades, a conhecer as próprias capacidades e dificuldades. Desta forma haverá uma interação contínua no processo de ensino e aprendizagem e nas relações que os indivíduos envolvidos neste processo estabelecem cotidianamente.
A professora observada tem a difícil tarefa de mostrar aos seus educandos a importância destes em se conhecerem melhor, pois os mesmos logo serão pedagogos e no âmbito escolar há uma necessidade de integrar corpo e mente. Não há como um profissional trabalhar em uma sala de aula objetivando apenas uma educação intelectual, pois o corpo está intimamente ligado ao intelecto e ambos precisam de cuidados.
Bibliografia: NUNES, Clarice. Dança, terapia e educação: caminhos cruzados. In CALAZAN, CASTILHO e GOMES. Dança e educação em movimento. São Paulo: Cortez, 2003.